AGARRADO PELOS TOMATES

Rui Tavares

Por Rui Tavares
Fonte: Público

A campanha de Trump ainda tentou conter os danos declarando que aquele diálogo não passava de “fanfarronice de balneário”, algo que no fundo todos os homens fazem. Não melhorou a situação.

Nova Iorque, EUA. — Há duas semanas os apoiantes de Hillary Clinton estavam, como relatei aqui, numa situação de pré-pânico. Neste momento, e escrevo a poucas horas do segundo debate presidencial norte-americano, estão em pré-euforia. A principal preocupação dos clintonistas já é mesmo que o candidato republicano, Donald Trump, não desista.

O que mudou foi, como toda a gente já sabe, a revelação de um vídeo de 2005 em que Donald Trump descreve a sua abordagem perante as mulheres que o atraem fisicamente: beijá-las sem autorização e agarrá-las pelas partes íntimas. Não no sentido metafórico de que se pode dizer de um homem que está “agarrado pelos tomates”, mas no sentido real de quem se gaba de o poder fazer porque é, como ele próprio se define, “uma estrela”.

Nas primeiras horas após rebentar a bomba, a campanha de Trump ainda tentou conter os danos declarando que aquele diálogo não passava de “fanfarronice de balneário”, algo que no fundo todos os homens fazem. Não melhorou a situação. Essa naturalização é precisamente o que é intolerável para todas as mulheres (e, já agora, insultuoso para os homens que não se comportam como Trump).

Um bom barómetro da gravidade do caso foi então a reação das televisões. Passado um par de horas todas falavam do caso e repetiam o vídeo. Todas? Não. A FoxNews, de direita ultra-conservadora e aliada de Trump, dava todo o tempo de antena a um furacão, que acompanhou em exclusivo até bem depois de ser desprovido a mera tempestade tropical. Nos outros canais, os raios e trovões ficaram para Trump. Quem falava dele, atacava-o. Quem o queria defender, primava pela falta de comparência. Quem não o queria defender, renegava-o em público. As deserções entre republicanos começaram na sexta, avolumaram-se no sábado e ainda não pararam até domingo, — agora com os apelos a que ele desista e deixe o Partido Republicano sobreviver.

Relembremos que estas eleições nos EUA são decisivas para bem mais do que um mandato presidencial de quatro anos. Está em jogo o poder de nomear o juiz decisivo no Supremo Tribunal e, com essa nomeação, decidir o rumo conservador ou progressista da jurisprudência constitucional por uma geração. Está em jogo o Senado e talvez até a Câmara dos Representantes. Está talvez em jogo o sistema internacional.

E é isso que torna tão hipócrita a debandada dos republicanos que criaram o solo fértil de reacionarismo no qual Trump pegou de estaca. Ouviram Trump dizer que os mexicanos eram violadores, que os negros americanos viviam pior do que no tempo da escravatura, que a Arábia Saudita deveria ter armas nucleares, que deveria haver “uma forma de castigo” para as mulheres que fizessem abortos. E aplaudiram ou ficaram calados, enquanto esperavam que Trump os levasse a uma maioria no Congresso e a dominar o Supremo Tribunal por mais trinta anos. Só quando ele deixou de ser uma boia e passou a ser um peso é que deram umas braçadas para não se afundarem com ele.


E foi assim que, nas primeiras 36 horas após a revelação do vídeo, Donald Trump só teve um político a defendê-lo: Nigel Farage, esse mesmo. O cavaleiro do Brexit confirmou a uma televisão que “Trump não está a concorrer para papa” e que também ele e os seus companheiros do UKIP se gabam entre si do mesmo tipo de comportamentos. Percebe-se então porque há uns tempos se esforçaram tanto para alarmar a população contra os refugiados que alegadamente poderiam apalpar mulheres nas cidades ocidentais. Pelos vistos, não queriam imigrantes a fazer o trabalho que ainda consideram vergonhosamente deles.

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