DONALD TRAMP E OS AMERICANOS
Donald Tramp |
Jorge Almeida Fernandes |
Por Jorge Almeida Fernandes
Temos amanhã à noite o primeiro debate entre Hillary Clinton e Donald Trump. É o arranque do final da corrida até 8 de Novembro. É para ambos um confronto de alto risco. Todos esperam um debate fora dos modelos normais. A regra de ouro de um candidato é não cometer erros. Trump não funciona assim. Soma gaffes, provocações, indecências e não teme mentir para lá de todos os limites. O que noutro candidato seria defeito ou "suicídio eleitoral" nele parece virtude. Os seus adeptos podem reconhecer que é um demagogo ou um charlatão mas aplaudem essas tiradas — e tanto mais quanto sejam denunciadas pelos media ou adversários.
Estas eleições são diferentes. Resume The Economist: "Desta vez não é exagerado dizer que esta eleição não é apenas sobre quem deverá ser Presidente, mas sobre que espécie de país a América deveria ser."
O percurso de Trump, que desarticulou o Partido Republicano e agora desafia Hillary, foi uma surpresa e um facto extraordinário. Os fantasmas da América mais conservadora não explicam a dimensão e a persistência do fenómeno. Este faz certamente parte do vento populista que sopra no mundo, particularmente na Europa. Mas veste "roupas americanas". E tem uma ressonância particular porque está em jogo a sorte da maior potência do planeta.
Os temas e o estilo
A campanha de Trump tem duas vertentes que ele unifica numa mistura explosiva. Primeiro, exprime a ansiedade económica dos "perdedores da globalização", ferida agravada pela grande crise de 2008. Diz um seu adepto: "A candidatura de Trump é música celestial aos seus ouvidos. Critica as indústrias que exportam para o outro lado do mar os seus empregos. O tom apocalíptico adequa-se à sua experiência vivida no terreno. Ele adora irritar as elites, o que muitas pessoas desejariam fazer mas não conseguem por falta de instrumentos."
Os dados estatísticos não permitem olhar as classes médias brancas como um todo. Há ganhadores e perdedores, os que se adaptaram à globalização e os que ficaram de fora. É fundamentalmente esta segunda fracção que é a coluna vertebral do povo de Trump.
A segunda vertente é um estilo que baralha as regras. O Washington Post lamentou há dias a ineficácia dos "mainstream media" perante a campanha — de resto, apenas 14% dos americanos se informam através deles. Parte do eleitorado a quem Trump se dirige partilha das suas idiotices e provocações — contra imigrantes e refugiados, insinuações racistas, justificação da tortura, declarações de amor a Putin e outros ditadores, manifestando, enfim, a mais patente irresponsabilidade na política internacional, combinando o isolacionismo com brutais ameaças imperiais. Os outros absolvem-no: "As acusações [contra Trump] exprimem uma instituição ilegítima ou um sistema" que usa o seu poder para os frustrar. Eles desprezam a elite porque sentem que ela não os escuta e os despreza. Se as elites odeiam Trump é a prova de que ele está certo.
Transforma em revolta a frustração social e económica: "Nós contra eles". Dá uma demagógica expectativa de mudança. As elites têm aqui uma alta responsabilidade: quando ignoram a exasperação popular estão a preparar um imenso "motim". Escreve o Financial Times: "Nos Estados Unidos, a elite de direita semeou ventos e agora colhe tempestades. Mas tal pôde acontecer porque a elite de esquerda alienou a fidelidade de amplos estratos da classe média autóctone."
Um fascismo americano?
No fim de 2015 começaram a surgir na imprensa americana artigos que assimilam a campanha de Trump ao fascismo. Há uma interrogação recorrente sobre a repetição da História: "Poderia [o fascismo] acontecer aqui?"
Robert Paxton, historiador americano do fascismo, preveniu em Dezembro contra o abuso das analogias históricas. Prefere ver o fenómeno como um "nacionalismo populista". Mas não encerrou o debate. O historiador britânico Andrew Roberts apontou Mussolini como "a matriz secreta de Trump." O neoconservador Daniel Pipes fala em "neofascismo" e vê Trump como "um perigo interno inédito desde há 150 anos, uma ameaça que poderia minar a sociedade americana e pôr em causa a posição da América no mundo".
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