QUEREMOS VER PORTUGAL A ARDER
Há cerca de um
ano foi divulgado um estudo da União Europeia sobre incêndios nos países da
bacia do Mediterrâneo que continha números impressionantes. Foram analisados
dados de 2000 a 2013 de Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia. Nesse
período 53,4% de todos os incêndios haviam ocorrido em Portugal. Ou seja, o
nosso país tinha maior número de incêndios do que Espanha, França, Itália e
Grécia juntas.
João Miguel Tavares |
«Não é azar … é uma profunda
incompetência política»
Em termos de
área ardida, o número baixava para 37,7%, mas como a Portugal corresponde
apenas 14,7% do território em causa, o resultado é este: temos 3,5 vezes mais
incêndios do que a média dos países mediterrânicos e 2,5 vezes mais área
ardida. São números que deveriam envergonhar qualquer português. E, no entanto,
não me recordo de esse estudo ter tido alguma repercussão significativa em
termos políticos ou mediáticos, e eu próprio só dei por ele porque ontem já não
conseguia suportar mais labaredas à hora do almoço e pus-me a pesquisar.
A falta de seriedade com que nós enfrentamos os problemas da floresta
portuguesa só tem paralelo na histeria que toma contas das televisões assim
que, para citar Quim Barreiros, entra Agosto. Há mais de dez anos que se fala
em auto-regulação das televisões, por uma razão muito atendível: estimando-se
que um quarto dos incêndios tem origem criminosa e estando comprovado que os
pirómanos se entusiasmam com a sua cobertura, o festim de chamas serve de
alimento a futuros fogos. Ontem, todos os canais abriram os noticiários da hora
de almoço com os incêndios, o que é compreensível tendo em conta a gravidade da
situação, mas depois pus-me a olhar para o relógio, num daqueles exercícios que
a ERC muito aprecia: a RTP terminou a cobertura dos fogos às 13.20; a CMTV às
13.15, mas depois voltou às 13.31 e arrastou um directo até às 13.43; a TVI às
13.31; e a SIC às 13.34. Sendo costume os jornais do almoço duraram uma hora, a
cobertura dos incêndios em Portugal está como os fogos: mais de metade dos
noticiários de Agosto são ocupados por chamas, chamas e mais chamas.
O meu problema, claro está, não tem a ver com a questão dos incêndios,
que é um excelente tema jornalístico. Está na transformação do repórter num
mero recolector de lágrimas e labaredas. Os 34 minutos de incêndios no Primeiro
Jornal da SIC não são
ocupados a questionar responsáveis ou a discutir o que está a falhar no combate
e na prevenção. O grosso da cobertura é floresta a arder, e quanto mais próximo
de casas maior o dramatismo e mais estúpidas as perguntas do repórter. A próprio pivot vai lançado os directos com
comentários tão argutos quanto “este é mesmo um combate desigual…”, e do outro
lado confirma-se que sim, que é um combate desigual, e depois a senhora Maria
pergunta onde estão os bombeiros, e o senhor Manel pergunta porque é que
ninguém limpa as florestas.
Para o ano, já se sabe, há mais. Ora, o que eu gostaria de ver era menos
a senhora Maria e o senhor Manel, e mais um bom debate televisivo com todos os
ministros do Ambiente e ministros da Administração Interna (António Costa
incluído) que ocuparam os cargos entre 2000 e 2013, para nos explicarem
devagarinho porque é que falhamos há tantos anos em matéria de incêndios e
porque é que tudo indica que vamos continuar a falhar. Os estudos não enganam.
Isto não é azar geográfico nem altas temperaturas. É mesmo uma profunda
incompetência política, muito mais árdua de combater do que o pior dos fogos.
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