“FOI O CHEFE DO REGIME QUE ME EMPURROU PARA A GUERRA”, JUSTIFICOU JONAS SAVIMBI NA SUA ÚLTIMA ENTREVISTA

Jonas Savimbi, fundador da UNITA

Entrevista com Jonas Savimbi. O líder fundador da UNITA, Jonas Malheiro Savimbi, apagaria hoje 82 velas, caso estivesse vivo. No entanto, face a sua dimensão humana, social e política, o blog disputaspoliticas reedita a sua última entrevista, concedida à Voz da América.

Por D.Politicas e VOA

Voz da América: Faz tempo que o senhor não falava. O que o levou a interromper o silêncio?
Jonas Savimbi: Queria encorajar aqueles que estão a organizar o debate sobre a paz em Angola. Nós estamos totalmente solidários. O debate pode ser crítico, contraditório, nós não somos contra esta posição, pelo contrário. Mas também queríamos encorajar os partidos políticos da oposição, a Igreja, os jornalistas independentes, a sociedade civil, que não deixemos os factos de lado para sermos frontais, e trabalharmos para um diálogo. Que não seja o debate pelo debate. Que o debate tenha o objectivo de dar formato e substância ao diálogo. A seguir tem-se que se trabalhar fortemente para a reconciliação nacional. Angola vive ainda uma fractura profunda, pois considero, neste momento, que temos um passivo muito grande, incluindo na Igreja, e este passivo tem de ser aceite, de forma a pudermos um dia, quando for oportuno, debatermos este passivo. Fico muito preocupado quando escuto nos fóruns da Igreja, ou na casa que faz a lei, que é o parlamento, termos como «matumbismo», «matumbos», porque com certeza que isso não cria a tal abertura, a tal disposição, mas torna a situação mais acirrada. Gostaríamos que entrássemos para a fase da reconciliação nacional, em paz, com maior calma, com disposição para aceitarmos que nos apontem os erros. Que os angolanos deixem de pensar em angolanos de primeira e de segunda.
VOA: Dr. Savimbi, parte daquilo que pode ser a reconciliação dos angolanos depende daquilo que a UNITA vier a fazer, daquilo que o senhor vier a fazer. O senhor não falava, pelo menos à Voz da América há muito tempo. As coisas mudaram substancialmente desde a última vez que o fez, do Andulo se a memória não me atraiçoa. A UNITA perdeu o Bailundo, perdeu o Andulo, perdeu uma série de posições. Hoje, que proposta concreta pode fazer a bem da reconciliação dos angolanos?
JS: O diálogo! Nós somos pelo diálogo, e estamos de acordo que se organize e que se estruture este diálogo. Também eu queria que os angolanos não se esquecessem que podemos aproveitar a conjuntura internacional. Os americanos começam a pensar também que o diálogo é a via para a solução do conflito. Sermos parte disto tudo.
VOA: Há aqui uma questão concreta. Nas últimas semanas, o governo respondeu de alguma forma ao que vem acontecendo com o lançamento do Fundo para a Paz e Reconciliação. O senhor tem as suas fontes, ouve as rádios, sabe o que se está a passar, está a UNITA, está o senhor disposto a abraçar aquilo que o governo oferece neste Fundo para a Paz e Reconciliação Nacional?

JS: Não.... Até porque o Filomeno Vieira Lopes respondeu dizendo que aquele fundo não era para a paz. Que era o Fundo para os rendidos e para os fugidos das fileiras da UNITA. Não está ali a resposta. A resposta está na nossa própria história. Quando falo do passivo pesado, estou a falar de como é que fizemos os acordos, e quais foram as garantias. Tudo para não repetirmos o mesmo caminho.
VOA: Suponho que o senhor tem reparado do lado do governo uma incidência na questão da validade do acordo, numa disponibilidade até para se conversar com a UNITA, se a UNITA se desarmar. Como é que o senhor toma todas essas afirmações?
JS: Com muita prudência. Porque se fomos penalizados pelas sanções até aqui, é porque se dizia que nós nos armamos contra o protocolo, mas a verdade hoje é o que se esta a ver com o Angolagate em Paris, isto é 93-94 o governo estava a comprar armas. Não era preciso o Angolagate, porque os nossos representantes em Luanda nos diziam constantemente que o MPLA estava a comprar armas. Desarmar-se e apresentar-se já muitos fizeram e a situação não tem mudado. Do lado do governo, ou do regime, continuam a enviar indivíduos para capturarem, para matarem, portanto o que dizem dum lado, desdizem pela acção prática.
VOA: Em todo o caso, o Fundo pode ser o ponto de partida para um entendimento. Não pode?
JS: Precisamos do dinheiro para darmos às populações cativas, que são capturadas todos os dias, e que se encontram nos municípios, nas comunas, e que não têm condições nenhumas. Porque é que vão dar aos políticos, e não dão às populações? Nós estamos com a mão estendida à caridade internacional!
VOA: Isso será um caso para se ver mais adiante. Há outras questões concretas que são abordadas no âmbito do Fundo. É a questão da reconciliação em si, do desarmamento, do diálogo e a questão da amnistia.
JS: Bom, a amnistia...esta amnistia está discutida...nós estamos a seguir...mesmo os partidos políticos da oposição que se encontram em Luanda, discordam com esse procedimento. O regime aceite uma abertura real e demos os passos para que a situação seja decantada, as pessoas possam participar, senão tem um Fundo, têm um nome, mas nós não temos a paz. E o perigo é: que não queremos a paz em Angola sem a UNITA, não queremos eleições em 2002. E por exemplo, os americanos que agora pensam no diálogo, podem de uma forma ou de outra decepcionados e abandonam a partida.
VOA: Suponho que o Dr. Savimbi ouviu o Ministro do Interior, Dias dos Santos Nandó, falar, digamos, de uma condição que seria um cessar-fogo unilateral da UNITA. O senhor alguma vez pensou nessa hipótese como um gesto de boa vontade?
JS: Bom, vejam como é que se pode fazer isso...Hoje se decidi falar para si, para a Voz da América, é porque tenho uma relativa segurança, mas custou-me quase dois anos. Não temos acesso fácil sem precauções, e também não teria vontade de reconciliação se o regime fosse a ditar o que temos que fazer. Comecemos, falemos, restabelecemos os contactos. Porque não fomos nós que rompemos os contactos, foi o regime. Quando forem restabelecidos, mesmo com as Nações Unidas - foram elas que aplicaram as sanções - nós estamos dispostos a retomar os contactos e começarmos outra vez a prever passos subsequentes.
VOA: O Dr. Savimbi e a UNITA iniciaram alguma diligência com vista ao restabelecimento dos contactos com o governo?
JS: Sim senhora. Num momento dado instruímos os nossos representantes no exterior, - quando nós fomos surpreendidos pela proposta do embaixador Gambari- para que nós pudéssemos chegarmos também ao governo. O embaixador Gambari sabe que a direcção da UNITA deu instruções para que não retomássemos só o contacto com as Nações Unidas, mas também com o próprio regime. Podemos ser críticos aqui e acolá, como toda a gente é crítica, mas como disse no princípio, nós temos um passivo muito grande. Os angolanos têm de ter coragem e vontade, nós estamos dispostos a restabelecer esse contacto.
VOA: Para além da instrução que deu aos seus representantes no exterior, houve algum contacto com um terceiro governo, com uma terceira parte com vista ao estabelecimento do diálogo com o governo de Angola?

JS: Quero esperar que agora o ambiente melhore. É por isso que não podemos falar contra tudo e contra todos. A opinião americana pode ajudar, a opinião europeia pode ajudar, a opinião africana pode ajudar. Há países africanos que estão em contacto connosco, que aceitam a nossa posição, que estão dispostos a aproximar o regime com esta mensagem. Apenas tenho encontrado receios porque acham que o regime não está preparado para falar connosco. Se der sinal que está, esses amigos vão-nos passar o recado.
VOA: Dr. Savimbi, todas as instituições e governos que o senhor referiu aqui, União Europeia, Nações Unidas, comunidade internacional, etc, etc parecem estar de acordo num ponto: qualquer que seja o caminho a seguir, a UNITA terá que se desarmar, e a UNITA tem parecido irredutível neste ponto.
JS: Não somos, não somos absolutamente. Entendamos: politicamente queremos fazer o quê? Mas isto passa por um diálogo. Fala-se de desarmamento, mas vamos para onde? É por isso que nós temos que retomar o contacto, o diálogo, a consideração, para que os angolanos se sintam à vontade na sua própria pátria. Eu não posso falar quando tenho um mandato de captura.
VOA: O governo diz que a Amnistia está em vigor.
JS: Não é verdade. Agora mesmo há uma grande ofensiva nas áreas das Lundas, de Malange etc, etc. Mas o objectivo primário é apanharem o Savimbi. Isto não é sabido lá fora. O governo quando der sinais que quer dialogar, sabe que nós podemos dialogar.

VOA: O governo continua a fazer fé no Protocolo de Lusaka. O senhor também continua a fazer fé no Protocolo de Lusaka?

JS: O protocolo de Lusaka estava manco e hoje, de entre os representantes da UNITA no exterior, estão aqueles que participaram na feitura do acordo. Portanto houve logro. Mas se for como quadro de discussão pode servir. Mas esvaziou-se o Lusaca quando o regime procurou um outro parceiro. Hoje a bandeira da UNITA é reclamada por vários grupos. Esvaziou-se! Mesmo assim se quadro for o espírito, podemos levá-lo mais adiante.

VOA: Quando o senhor diz que a bandeira da UNITA é reclamada por vários grupos, creio que se está a referir a Eugénio Manuvakola e à Renovada.
JS: Bom, é isso que dizem.
VOA: Em todo o caso, há um segmento da UNITA no parlamento, que não comunga das posições de Eugénio Manuvakola, mas que também não perfilha de algumas posições, que o senhor defende.
JS: Com certeza. Mas considero que a maior parte dos deputados da UNITA que estão no parlamento, estão de acordo com o programa do Muangai. Porém estando em Luanda podem recear um bocado aqui um bocado acolá. Na essência pugnam mais pelo nosso programa, do que nós do que do programa do senhor que mencionou há instantes.
VOA: Manuvakola é? Tem algum problema em repetir o nome?
JS: Não tenho interesse.
VOA: Em todo o caso esta descrição que fez para os deputados, também abrange Abel Chivukuvuku?
JS: Vejamos. O discurso do Abel tem sido muito difícil de interpretar aqui nas matas. Umas vezes está com a Renovada, outras vezes não está, umas vezes está com a terceira via - que eu considero que seria a pior aventura, porque a terceira via não teria pernas para andar .... e é difícil. Os dirigentes que estão comigo acham que cedo ou tarde o Abel será do CRU.
VOA: O que é o CRU?
JS: É o comité Renovador, porque quando apareceu a Renovada, apareceu o CRU.
VOA: Vejamos outra coisa Dr. Savimbi. Quando o senhor ouve os partidos, vou usar uma expressão sua: os «partidecos», uma expressão que o senhor introduziu em 1992, quando ouve organizações não-governamentais fazerem o que fazem em Luanda, manifestações, apelos, provocarem o debate, não lhe ocorre que, se a UNITA tivesse feito outras opções, o senhor poderia estar em Luanda a participar deste tipo de debate?
JS: Com certeza, mas não fomos nós que declaramos guerra ao regime. Foi o chefe do regime que declarou a guerra à UNITA, a 5 de Dezembro de 1998. Logo, não tínhamos uma outra escolha. Nós poderíamos continuar o debate, e talvez três, ou quatro meses mais tarde, tivéssemos conseguido uma plataforma que evitasse a guerra ao povo angolano. Mas o regime não nos deu essa alternativa.
VOA: Que opinião é que o senhor tem, e eu repito, a expressão é sua, daquilo que os partidecos fazem em Luanda? Cresceram substancialmente? Qual é a sua opinião?
JS: Eu não sei quem é que é o autor da expressão. Insiste-se que fui eu...nao sei em todo o caso, não penso que hajam partidos e partidecos. É verdade que os partidos têm força diferente, mas não é por isso que nós vamos chamar a um partido, partideco. Até porque em Angola há indivíduos que não fazem parte de nenhum partido, mas são patriotas angolanos e nós nos batemos por eles. Em todo o caso, estaríamos também associados a eles, a fazer as manifestações que eles fazem, mas é preciso sabermos qual é o objectivo final. Democratização do país. Mas o regime faz passar todos os seus programas por causa da maioria parlamentar. Esta maioria parlamentar fez passar o orçamento geral do estado sem a aprovação dos partidos. Vai fazer a revisão da Constituição, vai fazer a lei eleitoral, há alguma coisa que nós temos que começar a rectificar agora para que não haja ambiguidades, e depois responsabilidades.
VOA: Dr. Savimbi falou aqui mais do que uma vez da posição norte-americana em relação ao conflito. É sua convicção que há alguma coisa de diferente entre aquilo que fazia a administração democrata, e aquilo que faz a administração do presidente George W.Bush?
JS: Absolutamente! Mesmo se for o princípio! A administração Clinton aceitava a guerra como uma forma de acabar com a guerra. Desde que a administração Bush diga que o diálogo deve ser a forma mais capaz de se atingir a paz, eu quero crer que a diferença é monumental.
VOA: Passemos às questões militares: a última vez que falou, o senhor disse textualmente que o MPLA já não tinha capacidade de derrotar a UNITA. O senhor disse também que se atacassem o Andulo e o Bailundo, subiria mais um bocadinho para lá de Catete. O que se passou depois disso foi, digamos a queda em catadupa das principais posições. Afinal como é que houve esse desequilíbrio?
JS: Nós tínhamos uma estratégia, e quando se desequilibra um ponto na estratégia, é muito difícil se recompor. As tacticas reparam-se muito mais rapidamente. Também não estamos muito longe de Luanda. Perdemos o Bailundo e o Andulo e ninguém pode dizer que não foi com bastante mágoa. Mas, empurrados para a guerra, tivemos de refazer as nossas vontades e as nossas estruturas, e agora estamos a 100kms a sul de Luanda, estamos em toda a parte. Por isso, considero que perdemos os bastiões, mas ganhamos a liberdade de movimento, porque agora, já não sabem qual é o alvo. O alvo é todo o país.
VOA: Há dois anos o senhor podia dizer que estava a falar do Andulo ou do Bailundo. Hoje não pode dizer de onde está a falar.
JS: Absolutamente. Mas esta é uma vantagem, e não uma desvantagem. Já não podem bombardear-me com a certeza de que já não estou lá.
VOA: Correram nos últimos dois anos, notícias sobre a eminente captura do Presidente da UNITA. Alguma vez sentiu que as FAA estivessem no seu encalço?
JS: Como eu dizia, a ordem é oficial, e mantém-se, e nós temos contactos também nas cidades, não estamos só nas matas. Portanto o que se foi passando, é o seguinte: têm força para capturarem e combaterem e capturarem as populações para as tais eleições- eu considero as populações cativas - mas também há o objectivo permanente que é a minha captura. Mas na verdade nunca estiveram perto, porque senão teriam mais dados, mas continua esta perseguição. Em todo o caso não estou muito preocupado. Depois de um ano e mais, considero que nós encontrámos métodos capazes de evitarmos esta catástrofe.
VOA- Por outras palavras, o senhor está a dizer que do ponto de vista militar , não poderá haver um desequilíbrio maior do aquele que se regista hoje?
JS: Absolutamente. O que se passou connosco foi o pior. Agora as forças armadas da UNITA estão a subir. Já não estamos a passar pelo trauma que vivemos em 1998, 1999.
VOA- Por falar em trauma, dois dos seus filhos foram parar a Luanda. Um, Araújo Sakaita, a partir de Abidjan, e outro, Ulile, suponho que a partir de Lomé, mas levado pelo outro. Como que o senhor, ai onde está, recebeu a notícia, ouviu os seus filhos falarem de si, contra si, e contra o projecto da UNITA.
 JS: Até elementos não próximos da UNITA ou de mim, e que são mesmo do MLPA, talvez mais radicais reprovaram a atitude. Utilizar as crianças fazer a política, isto é que é perigoso. A UNITA não faz isto. Talvez pudesse molestar também alguém pelo mundo fora, mas não fazemos isto. E não o fazemos porque isto não nos dignifica. Não se fala com crianças de 16 anos, até com um desprimor, dizendo que este miúdo de 16 anos, agora é pai. Com certeza que nós sentimos que estávamos a brincar com a dignidade do próprio angolano, com os nossos valores. É isto que nós defendemos. Que o angolano seja a referência em tudo o que estamos a fazer. A nossa cultura, para que neste mundo da globalização, tenhamos identidade própria. Esta questão de capturar as crianças foi um mau passo dado pelo regime…
VOA: Por conseguinte o senhor não considera, não valoriza, o que eles disseram…
 JS: Até porque o último, primeiro mandou uma mensagem para os meus parentes que se encontram no exterior, a dizer uma coisa. Depois de trabalhado, disse outra coisa. Mas mesmo na sua posição como angolano, e eu falo aqui de poucos grandes ricos…por causa do dinheiro- há corrupção e não sou eu que o digo-, dizia por causa do dinheiro vamos perder os nossos valores? Os nossos antanhos nunca nos ensinaram que utilizássemos crianças contra os pais. Pelo contrário, ensinaram-nos a respeitar os pais, a idade, e a terra.
VOA: Outra questão muito em voga há uns tempos, atrás foi o desaparecimento, ou provável morte do General Bock. Suponho que como eu, ouviu muitos desertores, alguns dos quais da segurança da UNITA darem como certa a execução do General Bock. Apesar das promessas que fez, a UNITA nunca esteve em condições, ou pelo menos não fez esforços para provar que o General Bock estava vivo...
JS: Eu penso que ele já falou uma vez consigo, creio que em 1999…
VOA: Foi antes de todos estes rumores.
JS: Mas os rumores continuaram. Até ontem recebemos uma mensagem que dizia que o General Bock e o General Numa estavam mortos. Isto não é verdade. E ele está-me a escutar. Nós fizemos um debate aberto, sobre as circunstâncias em que a nossa estratégia báscula. Fizemo-lo em Novembro, Dezembro, Janeiro e Fevereiro do ano 2000, e chegamos todos à conclusão que o general Bock acarretava maior responsabilidade nesta mudança trágica da nossa estratégia. Como disse, ele está-me a escutar, e sabe que é assim que nós pensamos. A partir daí, já não aceitamos que fizesse parte dos quadros militares. O camarada Numa que estão associar ao desaparecimento do Bock, não teve problemas connosco. É ele quem dirige as operações das forças armadas. Tudo isso é propaganda. Cada um lança um bocadinho. Primeiro, eles próprios coíbem-se de falar. Sofrem de um certo isolamento, não falta um outro que em circunstância difícil repita que o Bock é culpado disto ou daquilo. Logo, quando vem outra vez a terreiro e a voz está lá, os próprios não se sentem muito à vontade.
VOA- É por esta razão que o general Bock não fala?
JS: Ele não fala, porque é preciso convencê-lo. Vi-o a última vez em Abril do ano passado, quando nos separamos. Ele trabalhava, como trabalha com o Vice-Presidente. Nós descentralizamos a nossa direcção, primeiro para pudermos ser mais eficazes, lá onde temos de retificar o comportamento, mas também para mantermos a situação da segurança. Isto não significa que aquele que não fale tenha desparecido. Fala aquele que estiver junto do telefone, ou quem tiver uma mensagem a passar. Este camarada tem problemas, os outros ainda apontam-lhe o dedo, e ele não quer que se fale mais do caso dele. E eu simpatizo-me com ele.
VOA: Até que ponto vai a sua responsabilidade em toda a estratégia na UNITA. Pessoas da sua intimidade disseram por mais de uma vez, que não se faz nada na UNITA sem a sua aquiescência ou melhor, sem a sua decisão.
JS: Isto seria considerar-me como um ser super-humano, e isto não é verdade.
VOA: Em todo o caso até onde vai a sua responsabilidade, em todas estas derrocadas que a UNITA sofreu?
JS: Não só derrocadas. Mas nós resistimos, as dificuldades são muito maiores do que aquilo que as pessoas pensavam. Há um grupo de dirigentes que provou que se pode resistir ao infortúnio, pois a vida não é feita só de rosas. E temos gente que nos apoia. Como é que se ataca em Calomboloca, se eu não estou lá? Deve haver um responsável que decide em toda a consciência e assume a responsabilidade. Logo, eu tenho uma parte das minhas funções, mas os outros desempenham as suas funções. É assim que a UNITA se expande.
VOA: Há muita dificuldade em entender porque é que a UNITA atinge muitos civis nos seus ataques, sobretudo em Catete…
JS: Nós reprovamos esta atitude, porque o regime faz isto. Eles estão a evacuar as zonas rurais, estão a mutilar. É isto que eu considero o passivo do regime. Quando os nossos cometem as mesmas atrocidades, ou mesmo quando apanham padres e cometem atentados contra a Igreja, somos os primeiros a reprovar, somos os primeiros a dizer a eles, para que reponham a verdade sobre a nossa política, sobre o que é o angolano.
VOA: Já não está do outro lado o general João de Matos com quem o senhor travou algumas batalhas. Como foi que recebeu a notícia do seu afastamento?
JS: Bom, se eu fosse a dizer que tive pena, estaria a ser cínico, e eu não preciso de ser cínico. Foi um general que se dedicou à construção das FAA e que fez a guerra pelo MPLA...Os servidores do regime terminam sempre assim.
Luis Costa

Nota: A conserva terminou neste ponto, porque a qualidade do som caiu drasticamente. Jonas Savimbi ainda voltou à linha três vezes, mas não havia condições para continuação da gravação.

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