ANTÓNIO DOMINGUES AINDA SE PODE SALVAR
Francisco Louçã |
Por Francisco Louçã*
A CGD
tem de acabar com a mala pata. Não é coisa de somenos, é só o maior banco português
e a âncora da confiança no sistema. Tornar-se um caso político e continuar nas
bocas do mundo não é opção. É mesmo melhor que este assunto se cale.
Ainda por
cima, poderia ter corrido bem. Apesar das pressões de Bruxelas, fechou-se a
porta ao início da privatização. Apesar da velha ideia da direita de privatizar
a Caixa, o seu carácter público tornou-se regra nacional (até ver).
Apesar dos
constrangimentos, foi aprovada a recapitalização (em valores de taluda, mas
isso é outra história). Apesar da tradição de comissários políticos (mas houve
excepções), desta vez foi escolhida uma equipa profissional, o que foi elogiado
por toda a gente. Foi aprovada uma auditoria, para verificar as
responsabilidades passadas e limpar o presente (mas ficou para as calendas).
Resolvidos
estes problemas, tudo devia ter sido simples. Mas não foi.
Já havia
precedentes estranhos: um anterior presidente da CGD tinha optado por ter o
salário pago pelos seus concorrentes, na função simultânea de presidente da
Associação de Bancos. Mas não se podiam adivinhar os novos problemas criados por esta administração. A lista proposta incluía
uma câmara corporativa de empresários, esquecendo-se de que a lei os podia
bloquear e o BCE podia amesquinhar a ideia, o que aconteceu de seguida.
Mas, no
meio deste amadorismo, a nova administração não se esqueceu de pôr como
condição que fosse garantida aos executivos uma lei especial para o seu próprio
salário e para os dispensar de deveres de registo de património e interesses. E
foi feito um decreto-lei à medida destas vontades pessoais.
Ora, se a
condição do salário é mesquinha, a do registo de interesses é abusiva.
De facto, não
noto que o nível do salário tenha vindo a garantir competência. Alguns
banqueiros portugueses tiveram dos maiores salários da Europa e isso não os impediu de arruinarem os seus
bancos, que os contribuintes têm vindo a pagar.
Se António Domingues coloca
como condição ganhar no seu mandato o equivalente a 240 anos do salário médio
nacional, está a desvalorizar a sua função porque a reduz a uma estratégia
pessoal. Se assim for, não percebeu a natureza do seu cargo e a
responsabilidade que tem perante Portugal.
Mas
entendamo-nos bem: ele tem esse salário garantido. O PS protege-o, o PSD e o
CDS fingem que estão chocados e propõem que continue exactamente como está,
blindando o dinheirinho com regras de excepções. Na senda dos Sérgios Monteiros
deste país, este situacionismo entende que devemos complacência e dízima
generosa aos banqueiros.
Onde o caso
muda de figura é na declaração de interesses. Aí, Domingues pode perder se
persistir em recusar a regra que todos os seus predecessores cumpriram.
Legalmente, o assunto parece-me transparente: se está em vigor uma lei que
determina que os gestores públicos são quem gere coisas públicas, qualquer
excepção casuística ou é inconstitucional porque discrimina sem fundamento ou é
ilegal porque recusa aplicar o princípio geral.
Mas a substância é ainda mais
comprometedora. É que a administração da CGD tem um dever especial para com os
accionistas, que é assegurar-lhes que nenhum interesse particular se sobrepõe
ao cumprimento do seu dever. Em Portugal, isso garante-se por via do escrutínio
da declaração no Tribunal Constitucional, a que se obrigam todas as
autoridades. Ao gerir o nosso banco, logo o nosso banco, o seu presidente tem
um dever especial para connosco.
Assim,
Domingues tem nas mãos a possibilidade de encerrar este dramalhão criado pela
excepção que reclamou, prestando a garantia democrática da independência de
qualquer interesse. Se o fizer por sua iniciativa, demonstrará desprendimento,
reforçará a percepção de profissionalismo e começará o mandato com confiança. Se
escolher não o fazer, é porque prefere uma crise na Caixa. Não vejo nenhuma
razão para essa escolha e ainda penso que Domingues pode salvar o começo do seu
mandato. Tudo depende do que ele fizer nestas próximas duas semanas e era
melhor que fosse depressa.
*Público
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