“O CHOQUE DA QUEDA DO PREÇO DO PETRÓLEO FOI MUITO FORTE PARA AS RECEITAS PÚBLICAS”
Presidente da República José Eduardo dos Santos |
Por Redacção
Entrevista com o presidente da República José Eduardo dos Santos. Há muito que o Comandante-em-chefe das Forças Armadas Angolanas (FAA), não concede entrevista a um órgão de comunicação social nacional.
Pois desta vez, este blog de notícias políticas
congratula-se por ver respondidas as suas questões pelo Chefe de Estado. Siga a
baixo a suculenta entrevista. *
DP: Sr.
Presidente, como caracteriza o país hoje?
JES: Começo por afirmar que tanto o clima
de paz como o normal funcionamento das instituições são já uma realidade e que
passos importantes continuam a ser dados para se garantir o pleno
desenvolvimento económico e social do nosso país.
Um balanço sumário sobre a actividade nacional põe em
relevo as grandes mudanças que ocorrem no país, bem como os sinais positivos e
algumas falhas que surgem em vários domínios da economia e da sociedade. Tudo
isto nos permite perspectivar as medidas necessárias para se construir um
futuro melhor.
DP: Mas a crise
económica e financeira é uma realidade?
JES: Angola sofre as consequências da crise
económica e financeira internacional desde 2008. Mesmo assim, cumpriu mais de
metade das metas estabelecidas pelas Nações Unidas nos Objectivos de
Desenvolvimento do Milénio até 2015, no que diz respeito a sectores como o
emprego formal, o abastecimento de energia e água potável, a saúde e o
saneamento do meio, a educação e a formação profissional, entre outros.
Todas as conquistas se devem em primeiro lugar ao clima
de paz que se instalou de forma definitiva no nosso país desde 2002 e que é
obra de todos os angolanos. Foi a paz que devolveu ao nosso povo a esperança
num futuro melhor, num quadro de liberdade, justiça e inclusão social.
DP: Sr.
Presidente, pese embora estejamos em paz desde 2002 como acabou de fazer
referência, é bem verdade que o país ainda regista tensões geradas pela
intolerância política …
JES: Conscientes disso, temos de continuar
a esforçar-nos para que a paz se venha a tornar na principal força identitária
entre os angolanos de todas as origens, convicções políticas ou crenças
religiosas e para que se mantenha entre nós o espírito de união, de tolerância
e de respeito pela diferença e pelos valores em que assenta a democracia.
DP: Voltemos ao sector económico. A sensação generalizada de que a situação económica e
financeira do Estado bem como a das famílias poderá se agravar, corresponde com
a realidade?
JES: Apesar do agravamento da situação
económica do país, provocado pela queda do preço do petróleo, Angola está a
lidar com a crise melhor do que outros países. Exemplos disso são a baixa
progressiva dos preços dos bens essenciais, da inflação e da taxa de juros; a
recuperação da actividade das empresas e dos níveis de emprego.
São também exemplo disso a retomada dos ganhos da paz,
que começavam a ser afectados, no domínio da educação, da saúde, da assistência
social, da desminagem, etc. A economia não estagnou, apenas perdeu a pujança
com que se vinha desenvolvendo por causa da crise actual.
Um dos caminhos escolhidos para sairmos dessa crise é a
diversificação da economia, que por sinal não é uma ideia nova. Muitos
questionam por que razão não começámos este processo muito antes, mas na
verdade ele começou há muito tempo, só que não havia condições objectivas no
nosso país para avançarmos mais depressa.
DP: Que razões
objectivas se refere?
JES: Quando terminou a guerra em 2002,
Angola e o Cambodja eram os países do mundo que tinham mais minas anti-pessoais
e anti-tanque. Falou-se na altura em cerca de dois milhões de minas
implantadas. Estavam minados os acessos aos campos agrícolas, as três
principais linhas de caminho-de-ferro e respectivas pontes, as zonas adjacentes
às torres de transporte de energia eléctrica e às centrais e condutas de água.
Mesmo em Luanda foi necessário construir-se uma protecção
ao longo de toda a conduta de água potável, patrulhada dia e noite. Foi também
erguida uma vedação no traçado da actual Via Expresso, que ainda não existia,
para proteger a cidade de operações de minagem e ataques bombistas. Não era
assim surpresa que Luanda continuasse iluminada, apesar das centenas de postes
derrubados, pois tinha sido possível implantar grupos geradores em todos os
municípios.
Quando começou a reconstrução, tivemos que desminar em
todo o território nacional para podermos avançar. Não podíamos construir sem
desminar primeiro. Nos primeiros anos tivemos que fazer em todo o país o
levantamento e a sinalização das zonas minadas, para se evitarem acidentes.
Como é que nestas condições podíamos acelerar o desenvolvimento da agricultura
familiar ou da agricultura comercial?
Quem andasse pelo país encontrava em grandes quantidades
tractores e máquinas pesadas de construção civil, abandonadas ou destruídas!
Foi necessário fazer quase tudo de novo. Desminar, reconstruir, reequipar e
reorganizar.
DP: Há países que também
registaram longos períodos de guerra, mas se reergueram rapidamente, não acha?
JES: Não podemos falar do nosso país como
se estivéssemos a falar de Portugal, de Cabo Verde ou do Senegal. A nossa
história não é igual nem parecida com a dos outros. O nosso povo está
consciente desse facto e sabe o que quer e como construir o seu futuro. Por
essa razão escolheu o caminho da diversificação da economia e está, com
realismo, a dar passos seguros para conseguir este objectivo.
DP: O que o Sr.
Presidente se oferece a dizer em relação a luz eléctrica, dado o facto de
aquando de seu discurso sobre o estado da Nação, o país ter registado um corte geral
de energia?
JES: A implementação dos Projectos
Estruturantes de Investimento Público aprovados durante o mandato está em curso
e a bom ritmo, como comprovam a conclusão da segunda fase da Barragem de
Cambambe, cujo alteamento vai garantir uma potência adicional de 780
‘megawatts’ aos actuais 180; a construção da nova Barragem de Laúca, a terminar
no próximo ano, com uma potência de 2 mil e 67 ‘megawatts’; bem como a
construção da Central do Ciclo Combinado do Soyo, utilizando gás natural para
gerar uma potência de 750 ‘megawatts’, também a partir do próximo ano.
Este impressionante aumento da potência eléctrica é
associado ao esforço gigantesco que está a ser feito para aumentar a produção
de água potável e do sistema de Telecomunicações e dos Transportes, para apoiar
o desenvolvimento da produção e melhorar o acesso das famílias a esses bens,
garantindo a transformação da estrutura económica nacional.
DP: Não é
desconfortante para o seu Executivo o facto de a República de Angola não
pertencer até aqui, ao Grupo dos Países de Desenvolvimento Humano?
JES: Angola registou também um crescimento
apreciável do Índice de Desenvolvimento Humano do seu povo, graças em grande
parte às melhorias verificadas nos domínios sanitário e educacional. O IDH do
povo angolano está, por exemplo, acima da média dos países da África
Subsariana.
O objectivo a que o país aspira é o de pertencer até 2025
ao Grupo dos Países de Desenvolvimento Humano Elevado. Por essa razão o Combate
à Pobreza é, de facto, uma prioridade do Governo, e tem sido positivo o ritmo da
sua redução. Mas é importante que haja um reforço e alargamento das medidas
que, directa ou indirectamente, podem contribuir ainda para a sua maior
redução.
DP: Que
estratégias poderão adoptar para o país escalar àquele Grupo, num prazo não
superior a 2025?
JES: O Governo adoptou um Programa de
Formação e Redistribuição do Rendimento, a fim de criar condições que
possibilitem uma maior inclusão social. Pensa assim utilizar de forma
articulada e convergente os principais instrumentos de política de redistribuição
do rendimento, tais como a Política Tributária e a Despesa Pública, em sectores
sociais e segurança social, visando uma repartição mais justa da riqueza e do
rendimento e um nível de bem-estar mais elevado.
Uma área decisiva para o bem-estar das populações é o da
habitação. Para o efeito o Executivo elaborou o Programa Nacional de Urbanismo
e Habitação. Ao longo do período compreendido entre 2013 e 2015, beneficiando
de uma conjuntura orçamental mais favorável, o Executivo priorizou, dados os graves
problemas habitacionais, o investimento em novas centralidades.
DP: Mas há muitas
obras paralisadas, pois não?
JES: A presente redução de recursos
orçamentais tem naturalmente um forte impacto no programa habitacional,
estando-se por isso a adoptar medidas activas de política para concluir os
projectos em curso em várias províncias, que salvaguardem a continuação dos
subprogramas da auto-construção dirigida.
Quebra de quase seis mil milhões de
dólares na receita fiscal.
DP: As pessoas desejam saber de viva voz do Sr. Presidente, qual é
o real estado da economia do país.
JES: A
economia angolana cresceu a uma taxa média anual considerável até 2014. Em
2015, essa evolução foi fortemente limitada pela queda brusca do preço do
petróleo no mercado internacional, que em 2016 se situou abaixo dos 30 dólares
por barril e provocou uma significativa redução das receitas fiscais do Estado.
Foi esta evolução do preço do petróleo que nos levou a
rever o OGE 2016, que assumiu, para o corrente ano, um preço médio de 40 dólares
por barril. Por sua vez, a queda das receitas fiscais provocou, em 2015, a
contracção da procura agregada da economia e, por via sistémica, a consequente
queda dos níveis de actividade da economia não petrolífera.
O crescimento do sector não petrolífero da economia
passou, assim, de 8,2 % em 2014, para 1,3 % em 2015 e a previsão é de 1,2 %
para o corrente ano. Os sectores que mais se ressentiram, embora com taxas de
crescimento positivas, foram os da agricultura, pescas, construção e serviços
mercantis. Por seu lado, o sector da indústria transformadora foi o mais
atingido e registou uma variação negativa de 4%.
DP: Então está a
dizer que o contexto petrolífero internacional desestruturou grandemente os
cofres do Estado angolano?
JES: O choque sistémico da queda do preço
foi muito forte nas receitas públicas. Sublinhe-se que, só em 2015, a redução
do preço do petróleo terá provocado uma quebra de quase 6 mil milhões de
dólares na receita fiscal. Presentemente, a continuidade do esforço de
investimento público só é possível com recurso ao endividamento, interno e
externo. Essa é uma solução que tem os seus limites e obriga a diferentes
soluções de financiamento interno e externo.
Esta evolução teve inevitáveis impactos ao nível
monetário. Nesse contexto, o Executivo, para garantir os pressupostos básicos
necessários ao desenvolvimento, teve de adoptar uma Política de Estabilidade e
Regulação Macroeconómica que lhe permitiu aprimorar a condução coordenada da
Política Fiscal, Monetária, Cambial e de rendimento e preços, acentuando o
papel da Programação Financeira.
A quebra brusca do preço do petróleo a partir do segundo
semestre de 2014 gerou um clima de instabilidade e de incerteza nos mercados. A
taxa de inflação acumulada anual, que se situava num só dígito, voltou a
fixar-se em dois dígitos em 2015. Houve também que se proceder a um ajuste
cambial. No mês de Janeiro de 2016, a taxa de câmbio desvalorizou em torno de
15 porcento face ao dólar norte-americano, após um breve curso de estabilidade
observado na fase final de 2015.
DP: Assiste-se
também a uma depreciação da nossa moeda como nunca vista…
JES: Desde o início da crise, que têm sido
registadas depreciações sucessivas nos mercados primário, secundário e informal
do Kwanza. Em consequência das medidas de regulação macroeconómica que se tem
adoptado, verifica-se nas últimas semanas uma regressão no mercado informal dos
valores especulativos do dólar e do euro, graças à melhor coordenação da
política fiscal, monetária, cambial e de rendimento e preços.
Esta aplicação coordenada dos instrumentos de política
económica permitiu garantir uma oferta de divisas no mercado cambial primário
que sustentou a execução do Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, o
atendimento à procura da moeda estrangeira em articulação com uma adequada
oferta de meios de pagamento em moeda nacional e com a satisfação das
necessidades de bens e serviços.
Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, a
taxa de inflação mensal que, em Julho, estava em cerca de 4%, baixou em Agosto
para cerca de 3% e em Setembro para 2,14 %, verificando-se assim a baixa dos
preços de bens de consumo no mercado e um apreciável aumento do poder de compra
dos salários. A nossa meta é conseguir uma taxa de inflação mensal de 1% ou
menos.
DP: Em face a realidade
não só vista pelos cidadãos comuns, mas agora assumida pelo mais Alto
Magistrado do Estado, já não é hora de se olhar para outras fontes de riqueza
ao invés do petróleo?
JES: Perante a ruptura brusca do preço do
petróleo, o Executivo definiu em 2015 uma Estratégia para a Saída da Crise.
Esta estratégia está alicerçada na substituição do petróleo como fonte
principal de receita; na promoção de exportações a curto prazo; na programação
do pagamento da dívida pública e no novo ciclo económico de estabilidade não
dependente do petróleo.
A substituição do petróleo como fonte principal de
receita baseia-se na expansão controlada do défice e do endividamento para o
relançamento da economia e numa maior transparência da gestão da coisa pública,
na maior eficiência e eficácia dos investimentos e na procura ou promoção do
investimento privado.
Estamos habituados a lutar contra as adversidades e a
ultrapassar obstáculos. Temos de continuar a confiar nas nossas forças e a
trabalhar juntos para vencer a crise económica e financeira, no curto prazo.
Medidas concretas para o efeito estarão contidas no Orçamento Geral do Estado
para o ano de 2017, já em preparação.
País registou o aumento da criminalidade
DP: Sr. Presidente, falemos um
pouco da ordem e tranquilidade interna. Hoje, o país está mergulhado por uma
onda de criminalidade aterradora, migração ilegal e o fluxo de cidadãos de
países marcados pelo terrorismo. O que se oferece a dizer sobre isso?
JES: Ao nível interno enfrentamos … o
aumento da criminalidade violenta, a imigração ilegal e os crimes de natureza
económica, em relação aos quais têm estado a ser tomadas medidas concretas de
combate.
Vamos dar passos mais efectivos no sentido de aprofundar
e consolidar o desempenho da Unidade de Informação Financeira, concedendo-lhe
maior autonomia com vista à efectiva implementação das medidas de natureza
preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao
financiamento do terrorismo.
No plano externo há a considerar as ameaças latentes
constituídas pelas crises e conflitos da África Central e da Região dos Grandes
Lagos e pela pirataria marítima no Golfo da Guiné, para além dos novos
paradigmas de crime organizado que se manifestam através da expansão do
fundamentalismo religioso, do terrorismo transnacional, do tráfico de armas,
drogas e seres humanos e dos crimes cibernéticos.
DP: O nosso
Sistema de Segurança está preparado para lidar com estes fenómenos externos?
JES: Apesar de alguns condicionalismos de
ordem conjuntural e estrutural, o Sistema de Segurança Nacional (Inteligência,
Defesa e Interior) tem dado resposta capaz a todas essas situações de risco,
internas e externas, e permitido assim a prossecução normal dos grandes
objectivos nacionais.
A defesa do território nacional, a garantia da paz e
estabilidade e a preservação das nossas fronteiras, exigem que tenhamos Forças
Armadas e de Segurança Nacional capazes, bem equipadas e bem treinadas. Exigem
também que elas sejam objecto da nossa atenção permanente, cuidando devidamente
dos seus orçamentos.
O
Ocidente não se cansa em desestabiliza o continente
DP: Também é apologista
de que são os países ocidentais responsáveis pelos contínuos conflitos africanos?
JES: Temos que estudar com maior atenção e
profundidade os fenómenos que acontecem no plano internacional para compreender
melhor o mundo em que estamos e saber proteger os nossos interesses. Com o fim
da Guerra Fria surgiu um mundo unipolar, com os Estados Unidos da América na
liderança. Entretanto, com o despontar de várias potências com peso no plano
internacional, em especial a Rússia e a China, o mundo tende a tornar-se
multipolar.
Utilizando a força, os EUA levaram a cabo intervenções em
várias partes do mundo para impor os seus próprios valores políticos, com
resultados adversos. Acabaram, assim, por gerar mais instabilidade no Médio
Oriente, na Ásia e em África, onde não conseguiram nem impor a paz nem
desencorajar os movimentos terroristas. Essas políticas foram conduzidas na era
do presidente George W. Bush e do presidente Obama, cada um com as suas
especificidades e com o beneplácito dos seus aliados.
As
eleições devem ser realizadas com lisura e transparência
DP: Que esperar das Eleições Gerais angolanas, aprazadas
para Agosto de 2017?
JES:
Que se pautem pela lisura e transparência, para que essas eleições, a realizar
em 2017, expressem e correspondam, de facto, à real vontade dos eleitores do
país. Que cada um com o seu voto faça livremente a escolha dos dirigentes que
entendem que devem governar o país.
Que não só o Estado, mas também os Partidos Políticos, a
Sociedade Civil, as Igrejas e todos os cidadãos assumam com responsabilidade o
seu papel, para que o processo seja realmente democrático e livre e decorra com
normalidade e de modo exemplar.
Com a realização de novas eleições, novas propostas de
candidatos aos mais altos cargos do país vão surgir. Vamos consolidar o nosso
processo democrático, que é irreversível, para que nele surjam e se afirmem
aqueles que estejam em melhores condições de conduzir os destinos do país. Que
eles possam corresponder às expectativas do Povo angolano no sentido de
continuar a ter uma vida cada vez melhor.
*Resposta retirada
do recente discurso sobre o estado da Nação.
jornalfalante@hotmail.com
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