“TOMAREMOS MEDIDAS DRÁSTICAS SE O PROCESSO ELEITORAL FOR TRUNCADO” – AVISA SAMAKUVA
Isaías Samakuva na rádio RFI - português |
O presidente da UNITA está em
Paris, França, onde está a se desdobrar em diversos encontros, dos quais se
destacam os diálogos mantidos com angolanos radicados naquele território
ocidental, políticos europeus e empresários. A propósito, Isaías Samakuva
concedeu uma entrevista de 21 minutos à RFI - português, na qual abordou sobre
o processo eleitoral em curso em Angola, tendo deixado claro que não recebe
apoio do novo estadista norte-americano, porque, segundo o líder do Galo Negro,
os assuntos africanos são insignificantes para Donald Trump.
Fonte: RFI/Disputas Políticas
Isaías Samakuva (IS): As eleições são o assunto da
actualidade no nosso país e nós todos queremos que, pelo menos desta vez, as
eleições sejam credíveis, isso significa que sejam eleições transparentes,
livres e justas. Portanto, que sejam eleições feitas de acordo com as normas,
princípios universalmente aceites como sendo eleições de um país que se diz
democrático. E é neste sentido que nós temos feito tudo para que o processo
decorra de uma forma transparente desde o seu início.
SIC: O senhor está disposto a
aceitar os resultados eleitorais sejam eles quais forem?
IS: De umas eleições livres e
credíveis, estamos dispostos a aceitá-los.
SIC: Mesmo que signifique a derrota
da UNITA?
IS: Se as eleições que se destinam a
consultar os cidadãos, portanto, o povo do país a se pronunciar a favor de um
partido e sabermos que é real, tudo corresponde com aquilo que de facto é
vontade do povo … não temos outro meio senão aceitar. Assim faremos se for o
caso, mas estamos convencidos que se as eleições representarem na realidade a
vontade do povo, a UNITA vai vencer.
“Vou deixar a presidência da UNITA após as eleições”
SIC: Se perder continua à frente da
UNITA ou essa questão ainda não foi metida em cima da mesa?
IS: Essa é uma questão que tem sido
colocada e eu também a coloquei várias vezes, eu diria melhor: perca ou ganha,
eu vou deixar a liderança da UNITA depois das eleições.
SIC: Porquê?
IS: É uma decisão que corresponde a
minha vontade, creio que depois dos anos que eu estive à frente da UNITA, terei
cumprido com a minha missão e também será a oportunidade de deixar que outros
colegas dirigirem a UNITA. Eu acho que a UNITA é um partido grande que tem
várias entidades que podem exercer a função de seu presidente. Como disse,
depois do tempo que estive à frente da UNITA, é altura agora das gerações novas
que surgem com vontades e energias renovadas. Se ganharmos, naturalmente vou
para presidência da República, se não ganhar vou ser um militante, um cidadão
que vai continuar a lutar para o bem do país, para o bem de seu povo.
SIC: Por falar em sucessão, o
presidente angolano anunciou há anos que se retiraria da vida política em 2018,
acredita na retirada efectiva de José Eduardo dos Santos no poder?
IS: É difícil dizer, bom, temos de
acreditar naquilo que os outros dizem, é verdade que o presidente da República
já o disse nalgumas vezes, essa não foi a primeira vez que ele exprime a
vontade de se retirar. Portanto, creio que o que interessa não é o facto de
acreditar ou não, para mim, o que interessa é que ele saia ou não, as eleições
vêm aí e os partidos e o povo irá se pronunciar em relação ao seu desejo, em
relação àquilo que gostaria que houvesse.
SIC: Mas essas incertezas da saída
ou não de José Eduardo dos Santos, beneficia de alguma forma a UNITA?
IS: Não! Para nós este é um problema
do MPLA, o MPLA é que sabe internamente se quer continuar com o presidente dos
Santos ou se não. Para nós, já é tempo de o presidente ir descansar, se o MPLA
e ele não pensam assim, o povo angolano certamente terá a oportunidade de
manifestar o seu desejo, se houver eleições livres e transparentes.
“Seja Dos Santos ou Lourenço, nada muda”
SIC: O MPLA ainda não definiu quem
será o seu cabeça de lista para as eleições, fala-se em João Lourenço, na sua
opinião, ele é um adversário mais fácil que José Eduardo dos Santos?
IS: Não, para nós não muda nada, para
nós o adversário é o MPLA. Até porque a legislação do nosso país não fala de
indivíduos, quem se candidata são os partidos.
SIC: Neste momento decorre o recenseamento
eleitoral, como avalia o processo?
IS: Nós temos estado a denunciar uma
serie de irregularidades que, estamos a procurar que sejam corrigidas. Até
aqui, tudo que temos estado a ver é que a entidade governamental que se ocupa
do registo eleitoral não tem tido em conta as preocupações, as denúncias que
têm sido feitas. Normalmente dão-nos uma resposta que eu direi na gíria: «para
despachar», mas nós vamos tolerar isso até o ponto que acharmos aceitável,
porque depois poderemos tomar posições mais drásticas, porque não pactuaremos com
aqueles que queiram preparar um processo eleitoral que venha a ser truncado
mais uma vez. Queremos que o angolano que é um povo digno, que merece outra
vida, vá às eleições livres, justas e transparentes.
SIC: Mas essa condição de livres e credíveis
também depende deste processo eleitoral em curso.
IS: Sim, isso põe em causa a
transparência do processo, por exemplo, nós não conseguimos fiscalizar
devidamente o processo, e, em certos casos, como está a acontecer, há tendência
dos administradores que são também 1º secretários municipais do partido no
poder fazerem registo àqueles que identifiquem como sendo militantes do MPLA,
isto significa que estarão a deixar de fora muitos cidadãos que têm o direito
de votar, mas como não são do partido no poder poderão ficar de fora. Isso a
continuar, como já disse, nós vamos ter de tomar medidas mais drásticas para
que o processo seja corrigido. Por enquanto, estamos a optar por chamar a
atenção do governo, da entidade registadora para que corrija essas
irregularidades.
SIC: Que medidas drásticas podem
ser essas?
IS: Vão ser ditas na altura, não vale
apenas dizermos aqui, porque serão tomadas de acordo com a situação que
tivermos à nossa frente.
“As coisas não se resolvem somente com manifestações
de ruas”
SIC: No campo dos direitos humanos,
Angola tem sido notícia, eu recordo o caso dos jovens revolucionários a UNITA
não devia ser a maior força para a defesa e denúncia das violações dos direitos
humanos no país?
IS: A UNITA tem feito isso, não só dos
pronunciamentos diários ou normais enquanto partido, mas também através da
Assembleia Nacional. Portanto, aquilo que num país normal, num país democrático
pode ser feito, temos estado a fazer, por isso é que também apelamos aos
angolanos para compreenderem que com o regime que temos à nossa frente, a
democracia verdadeira não vai se verificar. Então, a forma mais correta para se
evitar situações que ocorrem hoje é irmos para as eleições e votarmos este
regime para fora.
Esperamos que o governo respeite as normas, respeite as leis do país,
porque se falarmos dos direitos humanos, por exemplo, nós constatamos que a
nossa constituição estabelece leis que protegem os direitos humanos e são leis
que na minha maneira de ver, estão bem claras, mas não há cultura de
cumprimento do que está legislado. Então, a UNITA tem repetidas vezes tomado
essa posição, o que nos dizem é que a UNITA tinha de estar nas ruas, está bem,
mas a política não é só estar nas ruas.
Nós passamos por um período de muita turbulência, muita violência no
país e tudo que fizemos deve ser ponderado devidamente. Muitas vezes pensamos
que estando nas ruas é que nós resolvemos os problemas e devemos, exactamente
nesta situação de grande descontentamento que devemos ser ponderados, porque o
que queremos é a estabilidade do país, que haja paz no país, o que queremos é
que haja ordem e, por conseguinte, se assistirmos a determinadas situações como
podendo ser fontes de situações conturbadas, precisaremos de optar por outras
medidas, o que não descura que a UNITA um dia venha a liderar uma manifestação.
SIC: O país atravessa uma grave
crise financeira, quais são as suas propostas para restaurar o país?
IS: O país não atravessa uma crise
financeira apenas, o país está numa crise profunda, é uma crise económica,
financeira, uma crise de valores, de princípios, é uma crise de tudo. É uma
crise de saúde, de educação, é uma crise profunda. Portanto, nós temos
propostas claras e posso eleger cinco sectores da vida do país que achamos que
precisem medidas de emergência. Estes sectores têm a ver com a economia, mas
passam por acudir a saúde, o sistema de educação, o sistema de emprego, o sistema
da segurança, enfim, nós temos propostas que vamos colocar ao país, não será só
para resolver o problema da economia, mas é um problema generalizado que afeta
vários sectores da sociedade.
Em relação a saúde, queremos aplicar uma política de proximidade que ao
invés do cidadão ir atrás dos hospitais, serão os serviços de saúde a ir ao
encontro dos cidadãos, nos municípios, nas comunas, nos bairros e nas aldeias. Há
de facto uma situação que requer uma intervenção de emergência e que depois
influenciam outros sectores.
SIC: Veio à Paris para uma reunião
com a diáspora angolana, políticos e empresários, o que leva na bagagem?
IS: Primeiro, estamos a procurar
transmitir a ideia de que diáspora exerce um papel muito importante para o
nosso país. Portanto, os angolanos que estão na diáspora são também angolanos,
os angolanos que se encontram na diáspora são também angolanos, o facto de
estarem na diáspora não deixam de ser angolanos, não deixam de ter o direito
que o angolano tem no seu país. Por conseguinte, temos de procurar ter uma
unidade não só de pensamento, mas também na acção, temos de coordenar as nossas
acções, as nossas actividades para que consigamos mudar a situação no nosso
país.
SIC: Mas é a diáspora que tem sido
impedida de votar…
IS: Isso é verdade, a diáspora não
vota ou seja, aqueles que estão na diáspora estão discriminados de tal forma
que há alguns sectores que dizem que podem votar e outros não, mas também sabemos
que aqueles cidadãos que se encontram na diáspora falam por seus parentes no
país, têm contacto com seus amigos no país, portanto, podem de certo modo, nos
contactos que fazem seus parentes transmitir as suas opiniões sobre aquilo que
eles acham que deveria ser melhor para o país.
Portanto eles têm uma influência muito grande diante de seus parentes,
de seus amigos no país e, achamos ser um papel muito grande para o processo que
nos espera.
Para os políticos e para os empresários, estamos a transmitir aquilo que
é o nosso parecer. Sendo a UNITA um partido com vocação de governar o país
precisa de se fazer conhecer, precisa de fazer conhecer as suas propostas sobre
Angola, a forma como quer recuperar a situação de que Angola merece ter e que
não tem hoje, enfim, como dizia, nos precisamos fazer conhecer, precisamos
também de ouvir as opiniões dos actores internacionais em relação ao nosso
país, porque o nosso país não é uma ilha, também conta com a comunidade
internacional.
“Para Donald Trump, a África é insignificante”
SIC: Uma última questão, Donald
Trump tomou posse a 20 de janeiro, eu questiono: como perspectiva a relação de
Angola com Donald Trump na Casa Branca?
IS: Para mim, quando falamos do
presidente Trump em relação a Angola, talvez não falemos especificamente em
relação a Angola, na minha maneira de ver e, como disse, ele está a procurar
cumprir com o que disse na campanha, se nos basearmos com o que ele disse na
campanha, eu fico com a impressão de que ele não vai ligar sequer a África. Portanto,
Angola é um país africano e o presidente Donald Trump vai ignorar a África, é
meu parecer. E se for a fazer alguma coisa em relação a África, não será no
primeiro, no segundo, nem no terceiro ano de seu mandato, portanto, esse é meu
parecer pessoal. Portanto, olhando para o seu discurso, creio que ele é uma
pessoa que acha que tratar de África é perder tempo. Portanto, vai se ocupar de
coisas que acha mais importantes e, por conseguinte, eu quero contar mais com
aquilo que os angolanos querem fazer, quero contar com as sinergias do
pensamento dos angolanos e aplicar um princípio que é muito claro na UNITA:
contar com as nossas próprias forças.
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