AS ESTRANHAS “BÁSICAS” DO MPLA


Reginaldo Silva
Por Reginaldo Silva
Fonte: Redeangola
Ultrapassadas as crises internas de 74 e de 77 com o elevado preço de vidas humanas que se conhece, o MPLA tem vivido ao longo destas últimas cerca de 4 décadas, sob a batuta de José Eduardo dos Santos, um período de grande estabilidade em termos de liderança que se prolonga desde a morte de Agostinho Neto em Setembro de 1979.

De facto neste quesito, o da estabilidade interna, há mesmo muito poucos partidos em África que tenham esta performance. Acho que não há mesmo nenhum.

Ao que tudo continua a indicar, este período está a terminar, no âmbito da já anunciada transição, que culminará com a retirada da vida política activa a curto prazo/2018 do seu actual líder, que até lá vai continuar no posto de comando de todas as operações estratégicas do maioritário, mesmo que já não concorra às eleições presidenciais de 2017.

Este sábado não aconteceu no estádio 11 de Novembro aquilo que em princípio alguns de nós estava à espera que acontecesse, o que no fundo também era previsível que pudesse não acontecer.
Por isso, tivemos aqui o cuidado de, na crónica anterior, deixar bem aberta esta possibilidade, que se veio a confirmar e que acabou por ser a única novidade do 60º aniversário do MPLA a par da ausência do próprio José Eduardo dos Santos no tórrido local onde a celebração oficial teve lugar.

Aliás, também já aprendemos ao longo destas 4 décadas de observação do fenómeno político angolano, que com o MPLA as coisas são mesmo assim ou podem ser, particularmente quando a pressão externa aumenta.

São conhecidos adiamentos de algumas decisões que estavam iminentes, apenas para não se dar entender que elas foram tomadas na sequência de um conjunto de informações que davam o assunto como um dado adquirido.
Efectivamente o quilométrico, e algo indigesto, discurso de improviso proferido no “acto central” pelo Vice-Presidente do MPLA, João Lourenço, passou completamente ao lado do tema transição, que assim sendo vai continuar “engavetado” até um dia destes.

Se quisermos a grande novidade dos próximos tempos será a realização de uma auscultação junto das bases partidárias que, ao que consta, se deverão pronunciar sobre o conteúdo da “resolução interna” aprovada pelo Comité Central.

Com base numa proposta formulada pelo próprio Presidente do Partido, o CC aprovou os nomes de João Lourenço e Bornito de Sousa como sendo os candidatos para as eleições gerais de 2017 que o MPLA vai incluir na sua lista de deputados para o preenchimento dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, caso, obviamente vença a disputa política mais importante deste país.

Assim sendo, temos em perspectiva não umas clássicas primárias a que alguns partidos fora e dentro de Angola já nos habituaram tendo em vista a nomeação dos seus melhores representantes às eleições presidenciais, mas sim umas “básicas” consultas com um objectivo que ainda não está muito claro em todos os seus contornos e motivações.

Em termos estatutários não há em principio nada que obrigue a direcção do MPLA a recorrer a este “mecanismo informal”.
O regulamento do MPLA é claro na atribuição desta competência, a de deliberar sobre a lista dos candidatos a deputados, ao Comité Central.
Um Comité Central, note-se, que foi eleito muito recentemente durante o Congresso ordinário do MPLA realizado em Agosto, o que reforça ainda mais a sua legitimidade para deliberar sobre esta e outras matérias.

Não se percebendo por inteiro qual é o quadro determinante da convocação destas “básicas”, as questões que se colocam seguidamente têm a ver com o impacto/tratamento dos seus resultados, sobretudo se eles vierem a contrariar a ideia da transição que está plasmada na “resolução interna” que será o tema da discussão.
O que parece ainda mais estranho nesta altura é que ainda não se ouviu ninguém de peso da direcção do MPLA a defender a deliberação do Comité Central, tendo mesmo a influente Joana Lina do BP, sido citada pelo Novo Jornal como tendo afirmado que “são as bases do nosso partido em todo o território nacional que vão decidir se o Camarada Presidente sai ou não”.

Diante desta declaração, como é evidente, estamos diante de um problema ainda mais complicado, se não houver aqui nenhuma encenação e se efectivamente a intenção de JES é mesmo abandonar o poder, após ter concluído, por várias razões, que este é o melhor momento, mesmo contra tudo e todos, de entregar o poder e sair nas calmas, com todo o aparelho ainda sob o seu controlo.

Ninguém está a ver como é que esta “consulta popular” pode resultar num voto favorável à saída do actual líder do MPLA, pelo que as coisas podem regressar à primeira forma, restando depois ao próprio JES tomar a última decisão.

O MPLA está assim a viver um momento particularmente sensível da sua história, onde o sentimento de orfandade já é uma realidade por antecipação, restando apenas começarem os choros e outras manifestações mais emotivas.

O receio pelo desconhecido parece estar a tomar conta de todos e a condicionar futuras movimentações.
Lembro-me quando foi da “prestroika” na ex-URSS em finais dos anos 80, durante uma “sessão de esclarecimento” realizada no Cinema Atlântico com a presença de um “camarada soviético” que veio expressamente a Luanda explicar aos “camaradas do MPLA” os novos rumos que o comunismo estava a seguir na “Pátria de Lénine” com a subida ao poder de M.Gorbatchev.

Lembro-me de uma alta responsável política da época questionar de forma algo angustiada o enviado especial de Moscovo sobre o que é que ia ser do próprio MPLA, “o que é que vai ser de nós”, diante de todas as mudanças que se estavam a registar na ex-URSS.

E porque será que será que me lembrei disto logo agora?

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