“PORTUGAL É UM INIMIGO DO ESTADO ISLÂMICO”

Entrevista com Felipe Pathé Duarte, autor do livro "O Jihadismo Global - Das Palavras aos Actos". Para o escritor, atentados como o de Berlim são uma forma de sobrevivência do Estado Islâmico.

Temos que nos habituar a que, de tempos a tempos, aconteçam ataques deste género? Estamos perante um novo normal?

É provável que sim. O Daesh tem vindo a adotar este modus operandi. A sua capacidade operacional está reduzida porque as suas bases principais, no Iraque e na Síria, estão a ser atacadas. Isto também debilita a capacidade de fazerem ataques em grande escala. Por outro lado, o ciberespaço permite a propaganda - que inspira os chamados lobos solitários - e a comunicação interna sem a necessidade de uma cadeia de comando. No fundo, é uma forma de sobrevivência: já que não podemos fazer grandes atentados vamos apostar neste registo, porque é mais simples e não implica uma grande logística nem uma cadeia de comando. Na edição de novembro da Rumiyah, que é a revista do Daesh, havia três páginas a apelar a este tipo de ataques, explicando como devem ser feitos e dando como bom exemplo o atentado de Nice. De há uns anos para cá tem vindo a ser feito um apelo para que se faça um maior número de ataques de baixa intensidade. São ataques perigosos exatamente porque são pouco sofisticados e, por isso, fáceis de fazer.

É muito difícil fazer prevenção.

Sim, é extremamente complicado porque não têm a tal dimensão temporal que implica um processo organizacional, que os torna permeáveis ao controlo. E não têm a tal dimensão logística que pode ser facilmente identificada. São muito difíceis de monitorizar. E tendem a ser fruto de lobos solitários ou da ação de pequenas células espontâneas.


Mais uma vez voltou a falar-se da necessidade do reforço da cooperação entre as várias agências de informação a nível europeu. Mas esse reforço de cooperação também pouco adianta em casos destes, ou não?

Adianta sempre. A questão é que não está no ethos dos serviços de informações a partilha de informações. Não está e temos que meter isto na cabeça. Por outro lado, também temos que meter na cabeça que isso tem que ser feito. Os serviços de informações ainda pensam que deter informação é poder, mas no caso do contraterrorismo o verdadeiro poder está na partilha dessas informações. Os serviços têm que se adaptar progressivamente a esta lógica, que já não é a mesma da guerra fria.

Alemanha, França e Bélgica têm sido os principais alvos nos últimos tempos. É de esperar que os ataques se estendam a outros países europeus?

É provável que sim. Claro que há alvos mais apetecíveis e mais fáceis do que outros, mas é provável que aconteçam noutros lugares. O grande objetivo estratégico do Daesh para a Europa passa por quatro níveis: punir, desestabilizar, polarizar e alterar as dinâmicas de poder político. No primeiro, o punir, todos os países que fazem parte de coligações que combatem o Daesh são puníveis. Mas o próprio Ocidente em si também representa um inimigo absoluto. Desestabilizar passa por disseminar o medo através da ações terroristas. A partir daí, estando incutida a sensação de que ninguém está a salvo, entramos na polarização das sociedades. 

Isso está a acontecer. Basta ver o crescimento das extremas-direitas. Essa polarização vem criar bolsas de ressentimento e isso aumenta a radicalização e o espaço de recrutamento. A longo prazo, estamos a falar da alteração das dinâmicas de poder político, que é quando esta polarização se torna institucionalizada, com a chegada ao poder dos extremismos políticos. Nesse cenário, ainda é maior o espaço para recrutamento. É um processo puro de subversão global.

Qual é o risco de Portugal ser alvo um destes dias?


Portugal está no quadro mental e geoestratégico de inimizades do Daesh. Poderá sempre vir a ser um alvo. Não estamos livres disso.

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